SILENCIAR


Júlia Telles

A Segunda está estranhamente silenciosa. A maioria das pacientes faltou, o que é um verdadeiro milagre. Sextas, normalmente são assim, o movimento acontece nas segundas. Elas sempre me deixam triste, embora signifiquem vida nova para muitas. Em meio ao limo, estamos eu e Ruth. Tudo está embaçado pela sujeira e a água distorce a vista, fica difícil discernir a real imagem. A sala é minúscula, a luz mal entra pela janela, Ruth fica sentada na cadeira desgastada pelo tempo, com os braços apoiados na mesa de formica cinza. Os únicos sons emitidos são os feitos por ela, que hora lixa as unhas, hora digita no teclado. Ela toca a vida normalmente, como se não soubesse de nada, mas talvez também não tenha saída.

- Pode entrar, Isabela. Você está atrasada - diz Ruth, ao atender o interfone.

A menina deve ter cerca de 18 anos. Chega sem fazer barulho. Entre as quatro cadeiras disponíveis, senta no canto da sala de espera, ao lado da estante, perto de mim. Ótimo, assim consigo enxergar melhor apesar do vidro. Seus olhos estão marejados e suas mãos tremulas. Observo com o intuito de decifrar a vida de cada uma, isso me ajuda a passar o tempo aqui dentro. A maioria vem acompanhada da mãe, ou do companheiro, porém essa veio sozinha. Talvez ninguém possa saber onde está. Sua cabeça é baixa e apesar do calor, está com um moletom. Esvaziou rapidamente o copo plástico, e agora o estrangula, adicionando um novo som ao silencio do dia.

- Nossa, que susto! – Ruth se assusta fácil demais, como se tivesse sido pega no flagra.

- Me desculpe – Responde Isabela, mas só eu ouvi.

Isabela me parece estar em um impasse. Presa às consequências independente da decisão. Se faz, está presa. Se não faz, está presa. Submersa ao arrependimento eterno, ou à certeza do pesadelo. Assim como ela, me pergunto o por quê estou aqui. Pular seria uma solução. Talvez assim eu consiga fugir desse cubículo abandonado, junto as hipóteses deixadas por elas. Tento pular, mas sou impedido pelo vidro.

Dr. Joaquim surge na porta do consultório e faz um sinal com a cabeça para a menina entrar. Enquanto estão lá dentro, Ruth se levanta, vai até o espelho ao meu lado e retoca o batom vermelho. Continuo com a tentativa de fuga, ela me olha de canto de olho e continua a retocar a maquiagem. A porta da sala abre, mas passou apenas dez minutos desde quando se fechou. Isabela saiu nos deixando para trás. O silêncio dela foi o melhor som que pude ouvir hoje. A minha fuga fica para outro dia.

- Ela desistiu, Doutor?

- Sim, Ruth. Ela estava de dois meses. Estava fácil de resolver.

- Só falta voltar quando estiver com seis.

- Aí vou cobrar mais caro.

- Com toda a razão.

- Como ela era a última paciente você está liberada, mas antes tem que limpar esse aquário. Está imundo!

Eu que o diga, Doutor.

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Júlia Telles

E-mail: juliatelles.adm@gmail.com


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