Júlia Telles
O filme O Milagre, dirigido por Sebastián Lelio, teve sua estreia no ano de 2022.
Ambientado no ano de 1962, o livro que inspirou o filme retrata a época em que a Irlanda
culpabilizava a Inglaterra pelo momento de escassez. O país vivia os resquícios do
período da Grande fome. Os dias eram nublados e a pele pálida. A vegetação pobre e a comida
escassa. O espírito triste e as palavras mal saíam das bocas famintas. Não havia pelo que
se alegrar, contudo existia uma esperança. Deus ainda podia e pode fazer O Milagre.
Na história, a enfermeira inglesa, Lib Wright, foi convocada a supervisionar esse
milagre. A menina, Anna O’Donnell, já não comia há quatro meses. Como era possível? Só
podia ser obra divina. A sociedade irlandesa precisava de respostas. Os seus turnos da
supervisão eram alternados com uma freira. Religião e ciência dividiam a mesma função, o
questionamento era se as duas exerciam suas funções da mesma forma.
A trilha sonora intensa nos leva a um estado de espírito de tensão e curiosidade. Uma
estratégia interessante para manter a atenção do telespectador, pois o foco das cenas na
atuação densa poderia causar distração em alguns. Os diálogos concisos são muito bem
escritos e nos dão pistas das respostas pelas quais tanto busca a enfermeira. É realmente um
milagre, ou apenas fingimento?
O filme poderia ter sido facilmente inspirado em fatos reais. Tudo aquilo poderia
ter acontecido, mas foi apenas uma história bem contada. A verossimilhança trazida pela
narrativa nos prende na tela, nos faz questionar as certezas sobre o desenrolar da história e
sobre as nossas certezas pessoais. Até onde vamos para sustentar as nossas crenças?
Em um tempo onde filmes tem enredos rasos, finais surreais e nos levam ao
arrependimento pelo tempo perdido por assisti-los, O Milagre, é um acalento. Se seu objetivo
é ver algo que não te leve ao incômodo e não te faça repensar sobre o conflito entre fé e
razão, esse filme pode te decepcionar.